Flavio Cruz

Sonho de uma noite de inverno

 
Sonhei. Era uma grande parada. Uma avenida sem fim. Eu estava vestido de trapos como todos os outros assistentes dos dois lados da avenida. Os carros alegóricos e os grupos iam passando lentamente. A música era ensurdecedora e as imagens muito vivas, me pareciam muito reais.
 
No primeiro grupo vinham vários homens bem vestidos, uns com ternos, outros com fraque, fumando charutos, felizes, rindo à toa. Punham as mãos nos bolsos e atiravam cédulas para a multidão que assistia. As pessoas, ávidas, pulavam para pegá-las, mas elas batiam num grande vidro e caíam de volta no chão, aos pés dos magnatas que sobre elas andavam. Já havia uma camada bem grossa de dinheiro, tanto assim que eles já estavam mais altos agora. Eles riam vendo o povo desesperado tentando pegar as notas, batendo-se uns contra os outros e às vezes contra a parede de vidro.
 
Mais atrás, sobre o carro, vinha uma grande mesa com homens e mulheres, também bem vestidos, comendo manjares deliciosos e bebendo vinhos raros. As mais incríveis especiarias estavam dispostas diante deles. Comiam e bebiam, bebiam e comiam. A multidão, dos dois lados, faminta, tentava subir sobre o tablado. Mas ele estava untado com o azeite que corria dos pratos, todos escorregavam e ninguém conseguia. O aroma delicioso passava sobre todos.
 
Depois vinha um grupo de pessoas estranhas. Pela frente estavam bem vestidos, chiquérrimos, por trás tinham uma roupa comum. Quase todos tinham atrás de si um pequeno cartaz que dizia “a verdade” ou “the truth”, ou “la verdad”, ou “la veritá” ou “la verité”. Havia outras línguas desconhecidas também. Eles andavam para lá e para cá, conversando, gesticulando e toda vez que passavam por um espelho, no centro, surpreendentemente, outra palavra, diferente, nele se refletia: “lies”, “mentiras”, “mensonges”, etc. Volta e meia, algum deles se virava para o povo e cumprimentava alguém, sacudindo as mãos. Rapidamente se afastavam e, ao fazê-lo, a pessoa cumprimentada ficava nua.
 
Depois veio um grupo de pessoas ajoelhadas. Cada um tinha uma túnica de diferente cor. Tinham a a cabeça baixa e, de vez em quando, olhavam para o céu. Mas logo, logo, uma névoa os cobria. Podia-se ver dinheiro caindo de cima mas ele desaparecia antes de tocar o chão. Os vultos apareciam de vez em quando, novamente, parcialmente vistos dentro da névoa. Muitas pessoas também se ajoelhavam ao ver o grupo passar.
 
Uma visão ainda mais insólita então se sucedeu. Um grande tubo despejava do alto uma infinidade de coisas. Quando chegou perto de mim, pude ver que eram telas com pinturas, livros, computadores, câmeras, televisores, telefones, fios e cabos que saíam pela ponta e desapareciam dentro de um grande cálice. No pé do mesmo havia uma torneira por onde saía um líquido que mudava de cor.
 
Veio então um grupo de pessoas que pareciam normais. Alguns usando barbas, outros não, mais outros de bigode, homens e mulheres, crianças também. Vestiam roupas comuns, nem baratas nem caras. Ao passar pela multidão, iam pulando do carro e se juntando aos outros. Ao fazê-lo sua vestimenta se transformava em trapos.
 
Ao longe consegui ver o último carro do desfile. Homens armados e vestidos com camuflagem, atiravam nas pessoas dos dois lados do cortejo. Mais perto, conseguia ouvir o grito das pessoas feridas, das pessoas morrendo, caindo sobre o próprio sangue derramado. A procissão começou a acelerar e de repente, me vi sob a mira de um dos homens.
 
Antes que ele pudesse atirar, eu acordei. Foi apenas um pesadelo, como tantos outros. Não há nada que temer.

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Published on e-Stories.org on 05.06.2015.

 
 

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